Inimputabilidade penal dos menores de 18 anos não é uma garantia individual

Em audiência ontem (15) no Senado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que a inimputabilidade penal dos menores de 18 anos é uma garantia individual, por isso protegida como cláusula pétrea da Constituição, não podendo ser reformada pelo poder constituinte derivado.

Afirmou ainda que o entendimento é pacífico entre os juristas. O ministro, para defender a sua tese, tergiversou: há uma discussão, sem consenso, entre juristas, dentre eles ministros do STF, sobre o tema.

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> Alinho-me aos que não advogam a tese

Embora materialmente eu não advogue a redução da maioridade penal, alinho-me aos que não a carimbam como cláusula pétrea da Carta. Estas cláusulas, por limitarem o poder derivado, devem ser lidas restritivamente, não comportando interpretações extensivas.

A Carta dita quais são as cláusulas pétreas:

Art. 60, § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais

> Tese cientificamente de fundamento

Os que advogam a inimputabilidade antes dos 18 anos como cláusula pétrea se estribam no inciso IV do artigo acima colado, dizendo-a uma garantia fundamental.

Ocorre que a Carta, formal e claramente, enumera, no “TÍTULO II - DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS”, quais os são esses direitos e garantias e nos cinco capítulos sob esse título não há menção à Inimputabilidade penal aos menores de 18 anos, o que elimina a questão, pois à guisa de interpretar a Carta, não se “inventar-lhe” texto inexistente.

> Em outro título

A decisão do constituinte originário de não embarcar a inimputabilidade aos menores de 18 anos nas cláusulas pétreas está clara quando ele a colocou em outro título, a quilômetros daquele que as abriga: é no TÍTULO VIII - DA ORDEM SOCIAL, que no Art. 228 escreveu o constituinte originário:

“Art. 228 - São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”.

Se a Carta quisesse que isso fosse uma garantia individual a teria colocado, pela mais correta técnica constitucional, no Título II, não cabendo, repito, interpretação extensiva quando a Carta quis exaurir o assunto em incisos e alíneas.

Comentários

  1. Acrescento apenas um ponto ao debate: o STF, ao apreciar a emenda constitucional 03/1993 afirmou que os direitos e garantias fundamentais não são encontrados apenas no artigo 5º, mas sim em todo o texto constitucional quando, em determinado dispositivo, independentemente de sua localização topográfica, instituir direitos direitos e garantias individuais, principalmente porque a Constituição é uma carta de limites ao poder estatal e de garantias aos cidadãos. E fez isso para decidir que a anterioridade tributária é uma garantia individual, reconhecendo-a como direito fundamental. Então, não seria aplicável o mesmo raciocínio a maioridade penal?

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    1. Como eu digo na postagem, há duas correntes doutrinárias na definição e conceito das garantias individuais na Carta: uma corrente defende a interpretação extensiva, ou seja, é possível entender que o constituinte "espalhou" pelo texto constitucional garantias outras que não aquelas elencadas no título próprio delas e a corrente que admite a interpretação restritiva, ao qual me alinho, pois é dogma interpretativo que tudo aquilo que limita deve ser lido restritivamente e as cláusulas pétreas são, pacificamente, restrições ao poder constitucional derivado.
      Ainda, "espalhar" institutos por um texto legal é péssima prática legislativa, pois para isso existem os títulos, capítulos, seções, parágrafos, incisos e alíneas: agrupar em cada um os institutos similares.
      A Carta de 1988 não foi sistematizada por amadores e sim por juristas de renome internacional, comandados por Afonso Arinos de Melo Franco e ele jamais cometeria o erro crasso de "espalhar" institutos na Carta.
      Os que interpretam as cláusulas pétreas extensivamente só o fazem de forma casuística, para que a hermenêutica caiba onde eles querem vesti-la: jamais li uma explicação cientifica e dialeticamente correta para tal.

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  2. Eu não conheço lei para entrar nesse assunto, mas tenho lido algumas pesquisas que apontam um número elevado de jovens mortos por jovens que matam, a maioria homens. Nos presidios eles (jovens) são maioria absoluta. Alguma coisa está errada e precisa ser mudada rápido, para que os dois lados não computem mais baixas.

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  3. Caro amigo,
    já há jurisprudência pacífica no STF no sentido de considerar a existência de outras cláusulas pétreas enquadradas no inciso IV do art. 60, §4º fora do referido Título II da Constituição Federal. Por isso, a simples localização geográfica do dispositivo não encerra o assunto. A polêmica está em: ser ou não a idade penal de 18 anos uma garantia fundamental das crianças e dos adolescentes. Entendo que sim, por se tratar de pessoas sem a formação intelectual, social e psicológica completamente formada (que me perdoem os conceituados PhD's Datena, Joaquim Campos e demais conhecedores do Direito que falam besteira atrás de besteira nos programas policiais de TV). Na ausência de políticas públicas, o menor tem sido atraído ao crime e o Estado é o responsável por isso.

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    1. Permita-me discordar. A jurisprudência está longe de ser pacífica. Já houve, sim, no STF, poucos julgados que declararam garantias individuais fora do título em casos específicos de ADINs, mas que não vincularam julgados posteriores e nunca foram unânimes, ao contrário, apertadas.
      O recém chegado ministro Teori Zavascki, por exemplo, faz coro contra o entendimento de garantias fora do título onde elas se albergam. A ministra Carmen Lúcia idem. Não conheço a posição dos mais novos ministros, como Toffoli e Rosa Weber. Ou seja, caso haja nova discussão disso no STF, não é possível prever o julgado.
      Mas a minha discussão é apenas doutrinária. Mesmo que os ministros do STF decidam, em unanimidade, que é possível encontrar garantias fora do seu respectivo galho, eu vou discordar de todos eles, pois não vejo possibilidade de encontrar bananas penduradas em mangueiras, a não ser, é claro, que alguém as amarre lá, só para dizer que bananas dão em mangueiras: o STF pode fazer isso, mas bananas continuarão brotando apenas em bananeiras.

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    2. Anônimo 09:59;

      "por se tratar de pessoas sem a formação intelectual, social e psicológica completamente formada"

      Fisolofia X Epidemiologia

      Sem lhe corrigir, embora ache que os jovens de hoje são bem mais precoces que os de minha geração. Considero que esta questão da maioridade penal aos 16 anos é um problema que até certo ponto (distante) está totalmente equivocada, pois realmente o ser humano leva tempo para construir um senso moral mínimo dos direitos dos outros (coisa de décadas), alguns chegam a velhice sem conseguir isso; porém quando se constata que inexistem as soluções teóricas apontadas no Estatuto do Menor Adolescente, ou seja, que ao serem presos, já sabem que não vão para lugar nenhum cumprir 3 anos de restrição de liberdade enquanto se ressocializam - já sabem que serão soltos daí a 24 horas, então o próprio estado se incumbe de lhes tirar a "inocência presumida", e lhes tornar cientes de que estão autorizados a praticar todo tipo de crime até os 18 anos. Quando a questão chegou neste ponto, admito que a filosofia já não resolve, e a questão adquiriu características epidemiológicas que se não forem tratadas de maneira mais enérgica, tornarão este país um lugar insuportável para se viver, pois tal é a banalidade do crime, que nem os mais experimentados conselheiros de segurança privada podem ensinar uma atitude correta para evitar o pior: pois sabem que isso já não mais adianta, pois eles estão matando vítimas que tiraram nota 10 no treinamento de "não-reagir-a-assaltos-e-fazer-tudo-o-que-eles-querem-para-poupar-a-sua-vida".

      O Brasil está criando uma geração de jovens super-melindrosos; que por falta de boa educação e de algumas boas palmadas de pais e mães rigorosos como os que eu tive, resolvem pequenos conflitos, p.ex: quizilas com professores por causa de uma nota de prova, na base do espancamento, do esfaqueamento e da execução com arma de fogo. Dentistas de agora em diante devem manter um saldo médio de mil reais disponíveis no cartão magnético, caso contrário os jovens vão incendiá-los. Neste ponto eu voto "sim" para a maioridade penal aos 16 anos.

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  6. Bom... "Espalhar" (com todas as aspas) foi expressão sua. Compreendo a intenção de usar essa expressão como forma de desqualificar a posição divergente. Porém, há fundamento teórico sim para a conclusão de que os direitos e garantias não são apenas aqueles incrustados no artigo 5º. E, muito resumidamente, o fundamento é o que me referi: a constituição é uma carta de limites ao poder estatal e de garantias aos cidadãos. É para isso que ela serve. Mas isso parte de uma concepção de Estado Democrático e Social de Direito e não daquele modelo positivista kelseniano de que à Constituição basta instituir a organicidade estatal e a forma de produção legislativa, compreendendo-a, também, como um instrumento que impõe limites ao Estado e assegura direitos aos cidadãos. A partir dessas premissas é que se encontra os fundamentos de que os direitos e garantias que estão fora do artigo 5º também são garantias individuais. Mas, enfim, como você disse, são correntes. E compreendo perfeitamente o seu posicionamento e o respeito. Mas dizer que a corrente que diverge da sua não tem aporte teórico me soa demasiado. Mas, como sempre, parabenizo-o, como sempre, pela qualidade das discussões e da lhaneza ao tratar os que aqui se manifestam. Isso é raro na blogosfera, especialmente a paraense, em que a maioria dos blogueiros reage muito mal aos comentários (o que não é o seu caso). Abraços.

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    1. Desculpe-me alongar-me, mas já que você aprofundou o debate (e isso é ótimo) preciso de mais tempo seu:
      Sim, “espalhar” é o verbo que cabe na neurologia da corrente que admite essa semeadura a esmo dos vários tipos constitucionais.
      Permita-me observar que não há dissenção entre o “Estado Democrático e Social de Direito” e o “positivismo kelseniano”: são coisas que não labutam entre si, ao contrário, o positivismo de Kelsen é uma forma de exercer o Estado de Direito, extraída do positivismo filosófico. O positivismo confere método à ciência jurídica.
      Todas as Cartas do mundo recepcionam o método positivista e se elas reforçam arbítrios ou embasam o Estado de Direito, o positivismo entra apenas com o método, pois ele não passa de uma interface para entregar o que se lavrou.
      A Carta de 1988 é positivista e se ela se erigiu a partir do método kelseniano (o sistematizador do anteprojeto de 88, Afonso Arinos, foi um dos mais brilhantes advogados do método no Brasil) é a ele que se deve recorrer para interpretá-la.
      É princípio basilar da hermenêutica que sempre que houver dúvidas no texto, perquirir-se o que desejou o legislador que o escreveu: é o que Montesquieu chamou de “Espírito das Leis”.
      O que desejou o constituinte quando ele resolveu dividir a Carta em Títulos, Capítulos, Seções, Parágrafos, Incisos e Alienas? Criar “arquivos” através dos quais quem quisesse buscar as unidades neles depositadas, saber qual “gaveta” abrir: a práxis do magnífico “Discurso do método” de Descartes.
      Não é possível à humanidade progredir rumo à inteligência pura sem método, porque a natureza, que a tudo antecede, segue um meticuloso método para engrenar o sistema: bananas dão em bananeiras, mangas dão em mangueiras e se você tomar uma manga e pendurar em uma bananeira ela em banana não se transformará: será apenas uma manga pendurada em uma bananeira.
      Não é possível imaginar que o constituinte, depois de escrever o Título e Capítulo onde identificou a “gaveta” das garantias, foi seguindo o rumo e, em outro Título e Capítulo, muito ao Sul, lembrou-se – “ah, esqueci que a inimputabilidade penal é garantia individual, mas como eu já estou no Art. 227, e já fechei a “gaveta” das garantias, eu vou por aqui mesmo, no Art. 228, no compartimento do armário onde eu estou guardando o instituto da “Família, da criança, do adolescente e do idoso”, e alguém no futuro vai adivinhar que eu queria mesmo era colocar lá em cima” – Esse é um pensamento tão absurdo que precisa, pelo mais correto estudo do método, ser afastado liminarmente.
      Não há como ser fundamentado cientificamente o pensamento que “espalha” institutos na Carta, pois ela foi erigida metodicamente com o propósito que você mesmo evidenciou: “impor limites ao Estado e assegurar direitos aos cidadãos” e, definitivamente, para que isso seja exercido da melhor forma possível, tem que ser lido restritivamente, ou, um ou outro lado irão se sobrepor à guisa de interpretações extensivas. A arte está no equilíbrio.

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  7. Francisco Márcio16/05/2013, 20:24

    Parabenizo o anônimo por elevar o debate. Sugiro apenas que nao sinta-se frustado, pois é mais fácil o Cristo Redentor fechar os braços do que o Deputado curva-se. Ele devia ser daqueles meninos birrentos...
    Já sei a resposta: desde que me conveçam, curvo-me. Mas acredite isso é só no discurso.
    Em arremate, estendo as felicitações ao signatário. Porém filio-me ao brilhante anônimo.

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  8. Diz o parágrafo 2o do artigo 5o da Constituição Federal:

    " Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

    Assim, este parágrafo nos traz duas certezas.

    A primeira, que a própria Constituição Federal admite que encerra em seu corpo, direitos e garantias individuais, e que o rol do artigo 5o não é exaustivo.

    A segunda, que direitos e garantias concernentes com os princípios da própria Constituição e de tratados internacionais firmados pelo Brasil, integram referido rol, mesmo fora de sua lista.

    Gercino Gerson Gomes Neto, Promotor de Justiça em Santa Catarina.

    Concordo plenamente com o entendimento do Promotor e venho parabenizar o anônimo da qual me alinho.

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